A Medida Provisória 948 de abril de 2020 dispõe sobre o cancelamento de serviços, reservas e eventos dos setores de turismo e cultura, em razão do estado de calamidade pública decorrente do novo coronavírus (COVID-19). Esta medida se aplica a espetáculos, shows, festas, cinemas, teatros, rodeios, etc.
Tal medida é mais que bem-vinda nestes tempos de instabilidade. Todavia, a interpretação indevida ou a má-fé por qualquer das partes envolvidas podem desestabilizar a boa resolução do negócio jurídico.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 4º, inciso I, trouxe em seu escopo a garantia fundamental de que o consumidor, em regra, se encontra em situação de vulnerabilidade. Diante de tal precaução legal, o consumidor tem maior facilidade para o alcance de seus direitos e defesa contra fornecedores e prestadores de serviços diante de uma relação negocial.
Os contratos de prestação de serviços são regidos também por outros princípios constitucionais, dentre eles, o princípio do equilíbrio econômico. Neste passo, um contrato não pode servir de instrumento para um contratante almejar lucro exagerado em detrimento da outra parte.
Desta forma, em que pese o contrato ser de livre pactuação, em caso de fatos imprevisíveis que o tornem injusto para uma das partes, o mesmo pode ser rescindido ou modificado, pela vontade de ambas as partes ou mesmo através de um processo judicial.
Com base nos princípios apresentados, podemos entender os fundamentos que embasam a Medida Provisória. No cenário mundial de pandemia, seria injusto que prestadores de serviços que atuam em festas e eventos fossem obrigados, nos moldes do que fora estabelecido antes da pandemia, a cumprirem contratos impossíveis. Muitos prestadores de serviço dependem de outros fornecedores para cumprirem seus próprios serviços. A título de exemplo, um buffet não poderá cumprir sua obrigação contratual se o casamento para o qual foi contratado não ocorrer mais.
Por outro lado, aquele que contrata não pode deixar de receber a devolução os valores pagos. Eis o impasse que a Medida Provisória visa amenizar. Fica estabelecido no artigo 2º da MP 948/20 que na hipótese de cancelamento de serviços, reservas e de eventos, incluídos shows e espetáculos, o prestador de serviços ou a sociedade empresária terá três hipóteses – que aos olhos de quem vos escreve está em ordem de aplicação – a fim de evitar a devolução dos valores pagos.
Na primeira hipótese, o prestador de serviços remarcará os eventos que foram cancelados. Esta é a melhor hipótese para a maioria dos casos. Na escolha desta opção, o fornecedor deve se comprometer a prestar os serviços à maneira que foram estabelecidos em contrato. Isto significa que, no caso mencionado anteriormente do serviço de buffet, a empresa fornecerá o cardápio pré-escolhido, respeitando a sazonalidade dos produtos, sem qualquer alteração de preço.
Na segunda hipótese, o fornecedor pode dispor de uma carta de crédito para uso futuro, no prazo de doze meses contado da data do encerramento do estado de calamidade pública, quando não for possível o cumprimento do serviço da forma estabelecida em contrato. Neste caso, em sequência ao exemplo supramencionado, o serviço de buffet deixaria de prestar o seu serviço em um casamento para prestar o serviço em outro evento de interesse dos contratantes.
A terceira hipótese é um trunfo na mão do fornecedor que a bem utilizar. A Medida Provisória permite que as partes determinem os ajustes contratuais de acordo com suas necessidades. Na aplicação do caso concreto, o serviço de buffet poderia oferecer outra forma de cumprir com suas obrigações contratuais sem que isso acarrete ônus para nenhuma das partes.
Tais hipóteses, como já mencionado, buscam evitar o reembolso do valor pago. Todavia, pode acontecer de nenhuma hipótese ser possível para ambas as partes. Neste caso, é importante relembrarmos dos princípios norteadores dos contratos de consumo. O enriquecimento ilícito pelo fornecedor do serviço pode ocorrer quando ele se recusa a devolver os valores pagos. Por outro lado, o mesmo pode acontecer se o contratante exigir a devolução integral dos valores.
Ora, a maioria dos contratos, ainda que tenham como objeto de contrato o fornecimento de determinado serviço apenas em um dia específico, todo um aparato é movimentado para que o evento ocorra. Novamente, a título de exemplo, uma assessora de casamentos pode trabalhar meses a fio antes da data do casamento em si, ajudando os noivos na escolha de outros fornecedores, escolha de local, buffet, etc. Seria injusto que, neste caso, a assessora fosse obrigada a devolver integralmente os valores pagos haja vista que a mesma já realizou, ainda que em parte, algum serviço.
Ou ainda no caso do já mencionado buffet, que realizou a compra de toda a alimentação necessária para o evento, mas por conta da pandemia o mesmo não foi realizado. Embora o objeto principal do contrato não tenha se cumprido, é direito do fornecedor, ao menos cobrir as despesas já realizadas para que fosse possível a realização do evento, caso não tivesse ocorrido o impedimento.
Ainda que a medida provisória estabeleça que diante dos fatos fortuitos ou de força maior, no momento, não ensejam danos morais, aplicação de multas e outras penalidades, sem a ajuda de um profissional habilitado para orientar os prestadores de serviços neste momento tão delicado, experimentar consequências graves. Desde longos processos dispendiosos no âmbito judicial, assim como o rebaixamento da reputação da empresa e até a sua decretação de falência.
É importante ainda, a elaboração de um contrato completo e capaz de prever o esperado e o inesperado. Adendos contratuais bem elaborados também vão ajudar a alinhar e definir quais passos podem ser tomados pelas de negócios jurídicos desta seara. A orientação jurídica especializada pode ser um divisor de águas para o enfrentamento deste período de calamidade.
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